Quem é o seu mentor?

 

Já imaginou como seria incrível contar com alguém que tivesse interesse genuíno por você e que, em seus momentos de pressão e indecisão, pudesse lhe ajudar com apoio e boas conversas? Infelizmente, para muitas pessoas, esta figura ilustre não existe.

Você provavelmente já se sentiu sozinho, embrenhado na floresta das relações corporativas. Ficou angustiado com mais dúvidas do que respostas, com perguntas pipocando em sua mente: será que eu sou mesmo capaz? Quais são as minhas competências? Como faço para me desenvolver? É nessa área mesmo que quero ficar? Como digo ao chefe que não concordo com ele? Aliás, digo?

Passei um bom período da minha carreira, sobretudo no início, vivendo exatamente essa situação. Não contava com ninguém para um papo reto, que entendesse meu contexto profissional e me ajudasse a colocar a bola no chão. Precisava muito conversar, ouvir pontos de vista diferentes ou complementares aos meus. Queria compartilhar angústias e dúvidas, mas também ser acalmado e desafiado com metas novas. Por isso, sonhava com alguém que fosse capaz de me dar respostas e de me ajudar a evitar alguns tombos. Naquela época, não havia ainda programas de coaching incríveis. E, mesmo que existissem, não caberiam no meu bolso.

Pressionado e ansioso, tentei falar com meu pai mesmo. Foi muito interessante: parecia que tinha conseguido falar com o CEO da empresa em que trabalhava. Durou 30 segundos e eu tomei um “presta atenção”: ele me disse que eu deveria conhecer melhor o jogo. Saí de perto meio atordoado e pensei: “O que foi isso?” Fiquei em dúvida se ele tinha realmente entendido sobre o que eu queria conversar. Aquela reação dele me pareceu um código secreto indesvendável. O único alívio foi que vi amor nos olhos dele.

E se o afeto me fazia bem, tive a ideia de seguir adiante e fui falar com a especialista nessa questão: minha mãe. Aí, sim, a conversa fluiu. Depois de me entrevistar por mais de uma hora e me escutar com toda paciência, veio a sugestão nada enigmática: “Filho, não pergunte nada para o seu chefe. Não se arrisque. Seja muito discreto e tenha em mente que só de estar trabalhando numa empresa tão boa, já está ótimo. Converse com seus colegas, eles estão na companhia há mais tempo e vão dar uns toques para você saber como fazer para continuar lá.” Minha mãe tinha um bom potencial de escuta e acolhimento, mas era tão amorosa e próxima que só pensava em me “proteger” – até de mim mesmo. Minha busca por um mentor doméstico não foi o que esperava.

Como não sou de desistir, tive a ideia de buscar saber como agiam os grandes líderes. Li primeiro alguns livros sobre Gandhi e um de Ozires Silva. Encontrei ali muitos exemplos úteis, meus novos gurus tinham ideias e visões incríveis. Como inspiração, foi legal. Eu simulava um bate papo com eles para tentar “ouvir” o que teriam para me dizer se estivéssemos numa conversa olho no olho. Meus gurus eram tão gigantes, que me faziam sentir ainda mais frágil e inferiorizado. Como é que eu podia ser tão “fraquinho”? Tão inseguro e tão pouco autoconfiante? Os gurus pegaram tão pesado comigo, que resolvi conversar menos com eles.

Na empresa, não havia abertura para eu ter coragem de pedir ajuda. Não me sentia à vontade para me abrir com os colegas. Meus líderes pareciam sempre tão ocupados e estratégicos que tentar uma reunião para falar de mim era impensável. Por causa disso, houve uma fase em que fiquei meio frustrado e até retraído. Mas, por dentro, continuava a sentir a necessidade de desabafar sobre minha vida no trabalho e seus efeitos colaterais sobre mim.

Corporativamente falando, eu estava realmente sozinho e perdido. Mesmo assim, não poderia desistir: então, resolvi revisitar o que havia conseguido nesta expedição com meus pais e com os livros e notei que tinha sim algo novo. Sem perceber, exercitei meu raciocínio, conversei, passei a me abrir mais, usei meu lado afetivo e efetivo em equilíbrio. Com apoio tangível e especialmente intangível, pude desenvolver autoconhecimento. Estava com um repertório inédito para minhas próprias reflexões.

Consegui enfim controlar a ansiedade e diminuir a minha angústia. Meu projeto de desenvolvimento de carreira passou a ter uma visão de longo prazo. Como nada seria miraculosamente resolvido, canalizei minha energia para planos melhor estruturados e comecei a captar fragmentos de minhas interações com todos ao redor, inclusive livros. Consegui criar uma espécie de filtro. Passei a identificar dois atributos que havia nos meus pais e nos meus gurus: os primeiros tinham interesse genuíno por mim e os outros podiam até me dar puxões de orelhas, mas me faziam pensar.

De repente, minha busca havia acabado: qual é a única pessoa do mundo que SEMPRE está disponível para me fazer pensar? Eu mesmo!

Me conhecendo melhor, passei a dialogar mais com outras pessoas, sem julgá-las, usando meu equilíbrio entre o afetivo e o efetivo, pude filtrar e absorver, melhor, coisas boas. Minha criatividade e motivação se renovaram. Aprendi a ouvir inclusive o que não é dito e, de maneira orgânica, o que é falado com interesse genuíno.

Desenvolvi muitos mentores para mim mesmo. Não existe um único a ser seguido. O que, de fato, é útil é se conhecer muito bem e se manter aberto ao diálogo. Se hoje você também anda sentindo falta de um mentor, não esqueça: você é capaz ter sucesso sim, mesmo sem um guru de plantão. Esteja disposto a aprender com tudo e todos, mas também com suas restrições e frustrações, sem ficar lamentando por sua realidade. Lute e revolucione suas possibilidades com toda sua afetividade e efetividade.


Artigo publicado originalmente no aplicativo da Revista Você S/A em 23/10/17.

 



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