A cultura do jeitinho

Recentemente, ouvi uma música interpretada pela cantora Pitty e escrita por ela e por Tassia Reis. Um trecho me chamou a atenção e me pareceu providencial: “É da minha natureza ser equilibrista, mas essa corda anda bamba demais…”

Nos últimos anos, além dos já conhecidos e lamentáveis casos de corrupção que felizmente vieram a público e estão gerando punições aos responsáveis, houve também o que posso chamar de contramão, que trata de uma acentuada atração maligna para o precário: o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais; os desabamentos do Viaduto Batalha dos Guararapes, em Belo Horizonte; de parte do Eixão Sul, em Brasília; do trecho da Marginal Pinheiros, em São Paulo.

Sabemos que essas situações não começaram hoje. O que acho impactante é o aumento da frequência, dos danos gerados e até da banalização, pois isso parece mais aceitável atualmente.

Pontes caindo, buracos aparecendo como nunca, remendos por todos os cantos. Parece que vivemos em mandatos que impõem o curto prazo, tanto no público como no privado. Em vez de reagir, muitos aceitam e, pior, passam a aplicar o mesmo padrão em seu dia a dia.

Por que tudo está tão descartável? Precarização? Seria uma nova equação de custos, na qual o desleixo é padrão? É a visão de curto prazo combinada com a cultura do paliativo?

São pessoas como nós, líderes, profissionais de todos os gêneros, classes sociais e crenças, raças e sonhos, que cedem aos delírios provenientes de culturas retrógradas e modelos de gestão com doutrinas que hipnotizam.

Pode ser que uma dose não desprezível desses comportamentos seja gerada pela contínua fragilização da educação, com princípios tendenciosos e pouco educacionais. Temos também a crescente presença de indivíduos volúveis, que, por vontades, ganâncias e individualismo, permitem-se “aditivar” seu caráter e influenciar, inclusive, sua técnica.

Além destes, temos ainda o não menos importante jeitinho, aquele que tudo vence, dependendo da soma monetária e dos contatos dispostos a entrar no esquema.

Essa angústia enorme, normalmente gerada nas pessoas que persistem pela linha da coerência e dos valores sólidos, felizmente vem se acentuando. Não importa quão fundo já estejamos mergulhados nesse poço, ainda nos resta olhar para cima e enxergar o céu.

Vejo pessoas resgatando seus melhores e mais profundos princípios, colocando-se no lugar do outro e assumindo o risco de tentar quebrar esse círculo vicioso.

Como sempre digo, a maioria das pessoas é boa, mesmo, às vezes, não sendo tão ativa nessa missão. Temos que nos unir, independentemente de ideologia, religião ou qualquer coisa que ainda possa nos separar.

Vamos reconstruir nossa sociedade resgatando nossas bases. Para isso, devemos acordar nossas principais vocações, o trabalho e a coragem, permitindo que nossa resiliência expansiva nos mantenha animados e lutando, daqui pra frente mais unidos, com menos julgamentos.

O futuro chega bem depressa, e as melhores pontes sempre são feitas por pessoas felizes. Retomar o curso correto agora parece o sentido obrigatório.

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Artigo publicado originalmente no aplicativo da Revista Você S/A em 17/06/2019.



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