A pior crise de todos os tempos

Os últimos anos foram cansativos, não acha? Tivemos momentos intensos demais, nos estressamos demais, corremos demais, trabalhamos demais, ficamos tensos demais, até ouvimos fake news demais. Ou seja, “nada demais”, não é mesmo? Parece que estamos até nos habituando a esse ambiente árido, inóspito, hostil, vazio de propósitos e cheio de desanimo.

Ser moral ou imoral não é mais tão binário assim. Cresceu como nunca o amoral, um expediente de comportamento neutro. De forma aparentemente involuntária, a amoralidade tornou-se território útil para milhões de pessoas, que não se acham imorais e se distanciam dia a dia da moralidade.

Cito em meu livro, O Fim do Círculo Vicioso, um caso simples, mas muito emblemático. Um manobrista pega um chiclete que estava no console do carro. Para mim, isso é roubo, mas o manobrista é um homem de bem, incapaz de fazer mal a outras pessoas. Como ele pôde pegar o chiclete?

Conto sempre um caso real de uma senhora, simples, humilde, muito gentil e bondosa, mas que, assim como toda a vizinhança dela, aceitou fraudar seu medidor de energia para pagar menos, e fez o famoso gato. Como pôde uma senhora tão bondosa se envolver em fraude de energia? Ou como podem tantas famílias de bem roubar sinal de TV?

De todas as crises, a que mais temos que nos empenhar para sanar é a que coloca dúvida sobre o que não deveria restar dúvidas, a crise que transforma pessoas de bem em pessoas amorais ou, pior ainda, imorais por completo. Nunca, em mais de 30 anos de vida executiva, havia visto tanta gente fazendo coisas erradas e achando que estava certa. Levar vantagem sobre os outros passou a ser normal.

Essa crise deteriora nossas chances de nos tornarmos um país próspero e afeta frontalmente as possibilidades de termos empresas mais produtivas. As premissas básicas para uma evolução consistente e relevante, como a união, o respeito e a integridade, estão tão abaladas que nos perguntamos: Como chegamos a este ponto? O que poderia ser feito para voltar ao caminho certo?

A primeira pergunta requer uma análise de anos de retrocesso em processo ferrenho de desconstrução de bases morais, originado por corrupção, antiética, crises econômicas, desemprego e forte corrosão de bases educacionais e, em especial, das famílias. Todos estes fatores nos fizeram viver uma queda relevante em nossa autoestima, e passamos a ter mais dificuldade em encontrar sentido no que fazemos. Gostamos muito menos de nós mesmos e, assim, confiar no outro fica quase impossível. Respeitá-lo passa ser apenas uma opção, cuja aderência é cada vez mais baixa. Seguir por caminhos corretos torna-se uma expedição dúbia, afinal, o que é correto hoje em dia?

Para tentar restabelecer o caminho da prosperidade de nossa gente, de nossas empresas e até de nossa nação, é fundamental resgatarmos as bases que sustentam esta jornada. Família, valores e propósito podem devolver sentido à vida.

Empresas e países mais conectados e evoluídos já perceberam que o caminho é árduo, trabalhoso e vai requerer muita persistência na coerência, mas, sim, também vislumbraram que é possível e apostam nisso. Os investimentos maciços, direcionados historicamente quase que exclusivamente para inovações, tecnologia ou produtividade e expansão, hoje também incluem a cultura organizacional e o desenvolvimento de pessoas. Países que já priorizavam por séculos essa agenda passaram a colocar ainda mais ênfase na educação. Outros que ainda não o fazem, já sentiram as dores e começaram a se mover.

Se conseguir um tempinho, pense: “E eu, o que estou fazendo?”.

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Artigo publicado originalmente no aplicativo da Revista Você S/A em 03/12/18.



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